O ciclo de líquidos em autoclave
Saiba mais sobre o ciclo de líquidos em autoclave e como garantir uma esterilização segura e eficaz. Descubra todos os pormenores no nosso artigo.
A esterilização de líquidos em autoclaves é um procedimento comum em laboratórios de microbiologia e centros de investigação, onde a esterilidade dos líquidos é essencial para a integridade das experiências científicas e dos processos de produção.
Os autoclaves, dispositivos que funcionam com vapor pressurizado, são normalmente utilizados para esterilizar instrumentos e objetos sólidos. No entanto, a esterilização de líquidos, como meios de cultura e soluções tampão, apresenta desafios únicos que influenciam o projeto e a duração do ciclo de esterilização a ser usado.
Um aspeto crítico da esterilização de líquidos é evitar o efeito “boil-over”, um fenómeno que ocorre quando um líquido quente num recipiente fechado sofre uma mudança súbita de pressão, fazendo com que ferva espontaneamente e se derrame. Este risco, juntamente com a necessidade de controlar cuidadosamente a taxa de aquecimento e arrefecimento, distingue a esterilização de cargas líquidas da de objetos sólidos.
Princípios básicos do ciclo de líquidos em autoclave
O ciclo de líquidos num autoclave baseia-se num ciclo gravitacional com algumas modificações, uma vez que a fase de arrefecimento deve ser controlada e a duração da fase de aquecimento deve ser prolongada. Embora a temperatura de esterilização utilizada seja 121°C, a duração dependerá em grande medida da quantidade de líquidos e da dimensão dos recipientes.
Ao contrário dos ciclos de gravidade e de vácuo, que se destinam a processos de esterilização de materiais sólidos e porosos, o ciclo de líquidos foi especificamente concebido para o tratamento de cargas líquidas em recipientes e visa evitar falhas de esterilização, sobreaquecer a carga, a ebulição espontânea e minimizar as perdas por evaporação.
Para atingir estes objetivos, é fundamental um controlo preciso da fase de aquecimento. Os grandes volumes de líquidos demoram muito tempo a aquecer, uma vez que sofrem um atraso significativo para atingir a temperatura da câmara, pelo que, se aplicarmos o mesmo tempo de exposição que um ciclo de sólidos para esterilizar uma carga líquida, verificaremos que a carga líquida não atingirá a temperatura de esterilização com a mesma velocidade.
O efeito oposto ocorre na fase de arrefecimento: os líquidos demoram muito mais tempo a arrefecer, pelo que os utilizadores inexperientes correm o risco de sofrer queimaduras ao remover a carga, porque embora a temperatura da câmara tenha arrefecido até uma temperatura segura, os líquidos podem ainda estar muito quentes.
Outro aspeto a ter em conta é que uma despressurização demasiado rápida durante a fase de arrefecimento pode causar o efeito de “boil-over”, ou seja, a ebulição espontânea do líquido. Por conseguinte, o ciclo de líquidos deve despressurizar a câmara gradualmente, reduzindo lentamente a pressão para evitar mudanças bruscas de temperatura.
Desafios únicos da esterilização de líquidos
Como vimos, a esterilização de líquidos em autoclave enfrenta desafios específicos devido às propriedades físicas dos líquidos e à necessidade de manter a sua integridade durante o processo.
Lidar com o elevado calor específico dos líquidos
Um dos principais desafios na esterilização de líquidos é o seu elevado calor específico. Os líquidos, em comparação com os sólidos, necessitam de muito mais energia para aumentar a sua temperatura. Isto significa que os ciclos de esterilização de líquidos têm de ser mais longos, uma vez que o líquido demora mais tempo a atingir a temperatura de esterilização. Da mesma forma, o arrefecimento também demora mais tempo, prolongando o tempo total do ciclo.
Para resolver este problema, os autoclaves modernos podem ser equipados com uma sonda central que monitoriza a temperatura interna da carga e também atua como regulador do ciclo. Isto significa que se programarmos um ciclo de líquidos com uma temperatura de esterilização de 119°C durante 10 minutos, o temporizador não arrancará até que a temperatura da carga atinja 119°C.
Nos autoclaves tradicionais, o temporizador arranca quando a temperatura da câmara atinge 119°C, mas a temperatura da carga pode ser apenas de 105°C. Esta discrepância é uma causa comum de falha na esterilização correta de cargas líquidas.
Prevenção do efeito “boil-over”
Este fenómeno, também designado por ebulição rápida, é causado por uma rápida mudança de pressão durante a fase de arrefecimento, o que pode resultar em salpicos e derrames e consequente perda de carga esterilizada e, pior ainda, sujidade do equipamento e do resto da carga.
Ninguém gosta de ter de limpar um autoclave com resíduos de ágar solidificados nas paredes da câmara. Para evitar este problema, é necessária uma despressurização escalonada durante a fase de arrefecimento e uma monitorização precisa da temperatura da carga através da utilização de uma sonda central.
Manter a integridade do líquido
Outro grande desafio é manter a integridade química e biológica dos líquidos, especialmente porque demoram muito tempo a arrefecer, levando a uma cocção excessiva e a uma perda de tempo considerável. Esta situação é especialmente problemática para os líquidos termolábeis, cujas propriedades podem ser afetadas negativamente pela exposição desnecessária a altas temperaturas. Por exemplo, certos meios de cultura têm a sua taxa de fertilidade agravada devido à decomposição de proteínas ou triglicéridos, enquanto certos reagentes podem sofrer alterações na sua composição química.
Para combater este problema e melhorar a produtividade do laboratório, recomenda-se a utilização de autoclaves com sistemas de arrefecimento rápido, uma vez que estes reduzem significativamente o tempo de exposição ao calor e permitem uma recuperação muito mais rápida da carga, aumentando drasticamente a produtividade do laboratório. Dependendo do tipo de sistema de arrefecimento rápido utilizado e do tipo de carga, é possível obter reduções até 90%, o que representa uma poupança de mais de 60 minutos em cada ciclo de esterilização.
Entre as tecnologias mais comuns encontram-se os ventiladores e as serpentinas de água. Além disso, os autoclaves mais modernos incluem sistemas de sobrepressão para evitar a ebulição durante a fase de arrefecimento e para minimizar a perda de líquido por evaporação. Outro tipo de autoclaves, os preparadores de meios, permitem reduções ainda mais rápidas.
Parâmetros-chave do ciclo de líquidos
É evidente que o ciclo de líquidos num autoclave é um processo delicado que requer a definição precisa de vários parâmetros para garantir uma esterilização eficaz e segura. Estes parâmetros incluem a temperatura da câmara, a temperatura da carga, a pressão da câmara, o tempo de exposição e o controlo da fase de arrefecimento, cada um dos quais desempenha um papel crucial no sucesso do processo.
-
Temperatura e pressão ótimas
A temperatura e a pressão são os fatores mais críticos na esterilização de líquidos. Geralmente, os líquidos são esterilizados a uma temperatura de cerca de 121°C, que é alcançada sob uma pressão de aproximadamente 1,1Barg. Esta combinação de temperatura e pressão elevadas é eficaz para matar qualquer microrganismo, incluindo os esporos. No entanto, para os líquidos termolábeis, devem ser utilizadas temperaturas mais baixas.
Em qualquer caso, é essencial manter estas condições constantemente durante a fase de esterilização para garantir a esterilidade completa do líquido. É também aconselhável utilizar sempre uma sonda central que monitorize a temperatura da carga e que seja esta a regular o ciclo e não a temperatura da câmara.
-
Tempo de esterilização
O tempo de exposição à temperatura de esterilização é outro parâmetro vital. Este tempo varia consoante o tipo e o volume do líquido, bem como a carga total do autoclave. Os líquidos requerem um tempo de exposição mais longo do que os sólidos devido ao seu maior calor específico.
Os tempos de exposição típicos podem variar de 15 minutos a mais de 30 minutos, dependendo destes fatores. Duas recomendações a considerar são a utilização de indicadores biológicos para validar os processos e a tentativa de minimizar o volume dos contentores para que os tempos de ciclo sejam mais curtos. É mais eficiente processar mais contentores de menor volume do que menos contentores de maior volume.
Finalmente, recomenda-se a utilização de ciclos de esterilização regulados por F0devido à sua capacidade de quantificar com exatidão a letalidade de um processo de esterilização. Ao utilizar o valor F0, o ciclo de esterilização é automaticamente ajustado de acordo com as necessidades específicas da carga. Isto evita erros de ineficiência devido a exposições demasiado curtas e problemas de consistência relacionados com a disposição da carga no interior do autoclave, tanto em termos de forma como de número de recipientes.
-
Controlo da fase de arrefecimento
A fase de arrefecimento é uma etapa importante no ciclo de líquidos. Uma despressurização rápida causará uma ebulição descontrolada da carga líquida, enquanto que um arrefecimento demasiado lento prolongará desnecessariamente o ciclo e cozerá demasiado a carga, reduzindo a qualidade do líquido processado. Por conseguinte, deve ser utilizado um autoclave com um programa de líquidos para evitar alterações súbitas de temperatura e pressão durante a fase de arrefecimento.
Para os laboratórios com grandes volumes, recomenda-se a utilização de autoclaves com sistema de arrefecimento rápido ou de preparadores de meios para acelerar este processo sem comprometer a sua segurança ou eficiência. Graças a este tipo de autoclaves, a produtividade do laboratório pode ser exponencialmente melhorada.
-
Monitorização e validação
A monitorização e o registo de cada processo são essenciais para garantir que cada ciclo de esterilização está a ser realizado corretamente. Isto é normalmente conseguido através de sensores e controlos automatizados que ajustam a temperatura, a pressão e o tempo conforme necessário. Além disso, a validação periódica do desempenho do autoclave é crucial para confirmar que o seu desempenho se mantém eficaz ao longo do tempo.
Autoclaves e acessórios específicos para esterilização de líquidos
Existem várias opções disponíveis no mercado para melhorar a eficiência e a segurança da esterilização de líquidos, todas baseadas na utilização de tecnologias e modelos especializados:
-
Autoclaves equipados com ciclos para líquidos
Estes autoclaves estão equipados com sistemas de controlo e programas específicos para a esterilização de líquidos. Os modelos mais avançados permitem mesmo a programação por valor F₀ em vez da temperatura de esterilização.
-
Autoclaves com sonda central flexível
Fornecem leituras de temperatura em tempo real das condições no interior da carga líquida. Este acessório permite controlar se a esterilização é efetuada corretamente e se a carga é exposta à temperatura pretendida durante o tempo necessário.
-
Sistemas de arrefecimento rápido
Estes sistemas permitem encurtar a duração da fase de arrefecimento. Exemplos incluem a utilização de ventiladores externos, ventiladores internos, uma serpentina de água, uma camisa de arrefecimento ou sistemas de duche de água.
Considerações especiais para cargas líquidas sensíveis ao calor
A esterilização de cargas líquidas termolábeis requer uma abordagem mais cuidadosa e adaptada para preservar a integridade física e química da carga, garantindo ao mesmo tempo a sua esterilidade. Tais cargas líquidas, como certos reagentes químicos e meios de cultura, podem degradar-se ou alterar as suas propriedades quando expostos a temperaturas elevadas durante demasiado tempo.
Para evitar este problema, é aconselhável trabalhar com a equivalência térmica entre diferentes temperaturas e tempos, utilizando o valor F₀.
Utilização do valor F₀
O valor F₀ permite quantificar a esterilidade de um processo térmico e a equivalência da letalidade entre dois processos. É um método amplamente utilizado na esterilização de alimentos e é também essencial para preservar a integridade de substâncias propensas à termólise.
Em particular, o valor F₀ representa o tempo de exposição em minutos equivalente a 121°C. Assim, um F₀ de 3 denota uma esterilização equivalente a três minutos a 121°C. Continuando com o exemplo, aplicando a fórmula, podemos calcular que um F₀ de 3 é equivalente a 6 minutos a 118°C. Por outras palavras, esterilizar 3 minutos a 121°C é o mesmo que esterilizar 6 minutos a 118°C.
Fundamentalmente, permite a extrapolação da eficácia esterilizante de um processo para outras temperaturas, facilitando a adaptação precisa de um processo térmico através da modificação da temperatura máxima do processo, a fim de otimizar a relação entre a esterilização e a preservação das propriedades físico-químicas do produto.
Cálculo da duração de um ciclo regido por valores F₀
Ao trabalhar com um autoclave com programas de F₀, apenas o valor alvo de F₀ e a temperatura máxima do processo devem ser reportados, eliminando a necessidade de programar um tempo no ciclo de esterilização. Desta forma, o autoclave mede automaticamente a evolução do valor real de F₀ e pára o ciclo quando o valor alvo de F₀ é atingido.
Arrefecimento de líquidos termolábeis
Um arrefecimento cuidadoso é igualmente importante para os líquidos sensíveis ao calor. Um arrefecimento demasiado lento resultará numa exposição excessiva ao calor. Do mesmo modo, uma despressurização rápida conduzirá a salpicos e derrames. Por conseguinte, recomenda-se vivamente a utilização de autoclaves equipados com sistemas de arrefecimento rápido e suporte de pressão para processar este tipo de cargas, de modo a reduzir o tempo de aquecimento da carga ao mínimo necessário.
Melhores práticas e sugestões para uma esterilização eficaz de líquidos em autoclaves
Para otimizar a esterilização de líquidos num autoclave, recomendamos que siga determinadas práticas:
-
Seleção adequada de contentores
Utilize sempre contentores resistentes ao calor e deixe sempre espaço para a expansão térmica dos líquidos.
-
Deixar sempre os recipientes com tampa semi-abertos
Para evitar a rutura de recipientes ou derrames, os líquidos nunca devem ser esterilizados em recipientes herméticos, a menos que seja utilizado um ciclo com suporte de pressão. Por exemplo, as tampas dos frascos devem ser ligeiramente desenroscadas e os frascos Erlenmeyer devem ser cobertos com folha de alumínio.
-
Ajuste correto dos parâmetros do autoclave
Ajuste a duração do ciclo de acordo com o volume total dos recipientes a esterilizar e disponha de um autoclave que efetue uma despressurização escalonada durante a fase de arrefecimento.
-
Utilize autoclaves com programas para líquidos e um sistema de arrefecimento rápido.
Isto poupará muito tempo, evitará a cocção excessiva da carga, oferecerá maior segurança aos operadores e, a longo prazo, poupará muito tempo de limpeza devido a derrames da carga.
-
Monitorização e validação
Equipe o autoclave com uma sonda central e coloque-a dentro de um recipiente de referência. Isto irá permitir-nos monitorizar com precisão a evolução da temperatura na carga e verificar se foi exposta à temperatura alvo durante o tempo necessário. É também altamente recomendável a utilização de indicadores biológicos e químicos para confirmar a esterilização correta e manter um registo detalhado de todos os processos realizados.
-
Manipulação de cargas
Evite abrir a porta do autoclave prematuramente e manuseie os recipientes com cuidado quando o ciclo tiver terminado. Como já vimos, os líquidos demoram muito mais tempo a aquecer do que os objetos sólidos e o mesmo acontece durante a fase de arrefecimento.
-
Limpeza e manutenção regulares do autoclave
Mantenha o autoclave limpo e efetue inspeções e manutenções regulares para garantir o correto funcionamento dos mecanismos de segurança e prolongar a sua vida útil.
Ao seguir estas práticas, pode melhorar a eficiência e a segurança da esterilização de líquidos em autoclave, garantindo resultados consistentes e fiáveis em qualquer contexto.